Excelentíssimos Senadores
Referência: PL N.º 1.293/2021- PL do Autocontrole
A Animal Equality e todos abaixo assinados vêm respeitosamente por meio desta pedir o arquivamento do PL N.º 1.293/2021, também conhecido como PL do Autocontrole.
A Carta Magna brasileira, em seu artigo N.º 225, § 1º, item VII, impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de coibir “as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade”. O caput deste artigo também fundamenta o direito dos animais à proteção contra a crueldade e os maus-tratos são uma condição fundamental para garantir o direito dos cidadãos brasileiros ao meio ambiente equilibrado, e portanto, qualquer iniciativa que vá de encontro a esse direito viola diretamente a Constituição.
A responsabilidade do Poder Público de proteger os animais dos maus-tratos e da crueldade é assegurada pelo artigo N.º 32 da Lei N.º 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, a Lei de Crimes Ambientais que define como crime “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”.
Para garantir que tais violações não aconteçam, a fiscalização externa governamental é imprescindível. Há evidências de que, mesmo em abatedouros legalizados, quando na ausência de fiscais agropecuários, ocorrem graves falhas que comprometem o bem-estar animal e são configuradas como crueldade e que, portanto, deveriam ser passíveis de punição penal. Existem inúmeros estudos científicos comprovando a senciência dos animais não humanos, assegurando que são seres plenamente capazes de sentir dor e sofrimento. No entanto, a senciência e a dignidade dos animais são violadas dentro dos frigoríficos devido insuficiência de fiscalização e os animais sofrem recorrentemente com práticas violentas, tais como insensibilização ineficiente, sangria sem confirmação da inconsciência do animal, e o início da “esfola” antes da confirmação da morte do animal, o que resulta em uma dor excruciante. Todas essas situações foram documentadas pela nossa equipe de investigação.
Esse PL foi apresentado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) com o objetivo de continuar assegurando o aumento das exportações, sem, no entanto, ter que investir na contratação de novos fiscais. O argumento utilizado no texto para embasar sua apresentação está fundamentado na Lei nº 13.874, de 20 de Setembro de 2019 – Lei da Liberdade Econômica. Entretanto, é um dever Constitucional do Estado conciliar a liberdade do setor econômico -que goza de suficiente liberdade econômica no Brasil- com o dever de proteger os seres humanos, os animais e o meio ambiente. Nesse sentido, a aprovação do PL N.º 1.293/2021 significará um grande favorecimento ao setor econômico, em detrimento do direito das pessoas e dos animais à saúde, ao bem-estar e à dignidade.
O Governo Federal diminui cada vez mais os investimentos destinados à fiscalização. De acordo com os dados do Portal da Transparência, o total de gastos federais com defesa agropecuária caíram de R$87.306.355,69, em 2014, para R$1.570.165,60, em 2022, representando uma redução de 98,63% dos investimentos no setor. A fiscalização agropecuária é uma atividade técnica que deve ser independente e impermeável aos interesses econômicos, pois seu papel é supervisionar as falhas que ocorrem na indústria que, sem uma fiscalização isenta, comprometem não só o direito dos animais de ter sua proteção contra maus-tratos e crueldade assegurada, mas também podem comprometer gravemente a saúde pública. O artigo N.º 173, § 4º da Carta Magna atribui ao Estado o dever de reprimir “o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”. Esse papel não pode ser cumprido quando o próprio Estado se isenta de sua responsabilidade de proteger os atores mais vulneráveis à atividade econômica.
Esse projeto certamente terá um efeito devastador para os animais e irá expor a população brasileira a graves riscos de saúde, visto que a falta de imparcialidade fiscal para controle higiênico-sanitário dos produtos de origem animal prejudicará a efetividade da inspeção de patógenos possivelmente presentes em tecidos animais e transmissíveis aos consumidores.
Nós repudiamos toda e qualquer iniciativa que não vá ao encontro dos interesses da população de melhorar a fiscalização e de assegurar o poder de polícia da fiscalização agropecuária governamental e independente, que é a única instância que pode assegurar o cumprimento do dever do Estado de garantir que a liberdade do poder econômico não seja superior à primazia do poder do cidadão brasileiro. A população e os animais são o elo mais frágil da cadeia de produção de produtos de origem animal e é imoral aprovar um projeto que visa transferir do poder público a responsabilidade de supervisionar a saúde pública e a dignidade animal.
Excelentíssimos Senadores, apelamos para que os senhores cumpram o papel que lhes cabe na Constituição Federal de proteger os interesses da população brasileira e dos animais. Trata-se de defender os atores mais frágeis do sistema político-econômico. Em se tratando dos animais, significa proteger o direito dos que muito embora sejam reconhecidos como sujeitos de direito, não possuem voz para se expressar.
Colocamo-nos à disposição para esclarecimentos para apresentar evidências aos senhores que sustentam os argumentos acima.
Atenciosamente, Equipe da Animal Equality Brasil.