Carta aberta aos senadores e deputados federais
Atenção: Exmo. Senador Rodrigo Pacheco
Presidente do Senado
Com cópia: Aos Exmos Senadores e Deputados Federais
Referência: Projeto de Lei N.º 1.293/2021 – PL do autocontrole
A Animal Equality, a Proteção Animal Mundial (World Animal Protection), a Mercy for Animals, o Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, a Alianima, a Sinergia Animal, a Associação dos Fiscais Agropecuários do Rio Grande do Sul (AFAGRO), o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (ANFFA SINDICAL), a Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação e Afins (CNTA), o Núcleo de Justiça Animal da Universidade Federal da Paraíba, o Instituto Protecionista S.O.S. Animais e Plantas, Instituto Akatu e Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), organizações abaixo assinadas, vêm respeitosamente solicitar que, na tramitação do Projeto de Lei Nº 1.293/2021, as organizações de proteção animal, que são representantes da sociedade civil, e outras partes afetadas pelo referido PL, sejam ouvidas em uma audiência pública antes de sua votação no Senado Federal.
Algumas das organizações signatárias desta carta tem como missão proteger os animais da crueldade e promover sua dignidade por meio do bem-estar animal e outras formas de produção mais saudáveis e compassivas. Esse objetivo não é um dever apenas das organizações da sociedade civil, mas também do Poder Público, especialmente dos representantes democraticamente eleitos pelos brasileiros. A Carta Magna brasileira, em seu artigo N.º 225, § 1º, item VII, impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de coibir “as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade”. Essa responsabilidade também é assegurada pelo artigo N.º 32 da Lei N.º 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, a Lei de Crimes Ambientais que define como crime “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”.
É no sentido de clamar o Executivo Federal para que cumpra essa responsabilidade, que ressaltamos que a provação do PL N.º 1.293/2021 vai de encontro à sua incumbência expressa na Constituição Federal. Há evidências de que mesmo em abatedouros legalizados, normalmente sob sistemas de inspeção estadual e municipal, quando na ausência de fiscais agropecuários, ocorrem graves falhas que comprometem o bem-estar animal, que podem até mesmo ser configuradas como crueldade e que, portanto, podendo ensejar responsabilidade penal. Como preconizado pela ciência, os animais criados para consumo humano são seres plenamente capazes de sentir dor e sofrimento, mas sem a devida fiscalização sua senciência é recorrentemente negligenciada com operações inadequadas de abate, como manejo agressivo e falta de controle da insensibilização que precede a sangria, resultando em uma taxa significativa de animais conscientes durante esse procedimento.
O argumento para defender o PL N.º 1.293/2021 está fundamentado na Lei nº 13.874, de 20 de Setembro de 2019 – Lei da Liberdade Econômica. A indústria de produção de alimentos de origem animal já goza de suficiente liberdade econômica no Brasil, entretanto, frequentemente não cumpre sua responsabilidade na preservação do meio ambiente e na proteção dos animais. A pressão pelo lucro e para aumentar as exportações de carne, quando desenfreadas, conduzem inexoravelmente à falhas que tornam os abatedouros verdadeiros cenários dantescos.
Isso ocorre porque, a cada ano, o Governo Federal diminui os investimentos destinados à fiscalização. De acordo com os dados do Portal da Transparência, o total de gastos federais com defesa agropecuária caíram de R$87.306.355,69, em 2014, para R$1.570.165,60, em 2022, representando uma redução de 87% dos investimentos no setor. Como se isso não fosse suficiente para desmontar a estrutura de fiscalização, o MAPA apresentou o PL N.º 1.293/2021 que levará a uma redução ainda maior dos investimentos, negligenciando totalmente a proteção dos animais e dos seres humanos. A fiscalização agropecuária é uma atividade técnica que deve ser independente e impermeável aos interesses econômicos, pois seu papel é supervisionar as falhas que ocorrem na indústria que, sem uma fiscalização isenta, comprometem não só o direito dos animais de ter padrões de bem-estar previstos em lei, mas também podem comprometer gravemente a saúde pública. O artigo N.º 173, § 4º da Carta Magna atribui ao Estado o dever de reprimir “o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”. Esse papel não pode ser cumprido quando o próprio Estado se isenta de sua responsabilidade de proteger os atores mais vulneráveis à atividade econômica. Desta forma, também temos como signatárias desta carta organizações que defendem o direito do consumidor.
Esse projeto certamente terá um efeito devastador para os animais e irá expor a população brasileira a graves riscos de saúde, visto que a falta de imparcialidade fiscal para controle higiênico-sanitário dos produtos de origem animal prejudicará a efetividade da inspeção de patógenos possivelmente presentes em tecidos animais e transmissíveis, além de outros agentes químicos, físicos e biológicos que são prejudiciais à saúde dos consumidores. Esse PL, de modo algum, beneficiará a população brasileira que na história recente já viu seus direitos lesados por empresas frigoríficas.
O interesse das empresas em resguardar o bem-estar animal, em geral, é puramente utilitário e só é perseguido à medida que não comprometam os lucros almejados. Deixadas por si, as empresas só farão o suficiente para manter os animais vivos e no peso desejado até o momento do abate. A fiscalização externa governamental é, portanto, estratégica para assegurar o direito dos consumidores de terem sua saúde preservada e para proteger os animais da crueldade e de condições sanitárias e de bem-estar inadequadas que prejudicam sua saúde física e bem-estar psicológico.
Nós repudiamos toda e qualquer iniciativa que não vá ao encontro dos interesses da população de melhorar a fiscalização e de assegurar o poder de polícia como responsabilidade única e exclusiva de fiscais agropecuários governamentais, para que a liberdade do poder econômico não seja superior à primazia do poder do cidadão brasileiro. A população e os animais são o elo mais frágil da cadeia de produção de produtos de origem animal e consideramos imoral aprovar um projeto que visa transferir do poder público a responsabilidade de supervisionar a saúde pública e a dignidade animal.
Lembramos ao Excelentíssimo Senador que o primeiro artigo da Constituição Federal atesta indubitavelmente que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos”. Portanto, pedimos veementemente que nos seja facultado o direito democrático de defender as partes negativamente afetadas por este projeto de lei. Trata-se de defender aqueles que, muito embora sejam reconhecidos como sujeitos de direito, não podem exercer tais direitos por si sós.
Atenciosamente,
Carla Lettieri- Diretora Executiva – Animal Equality Brasil
José Rodolfo Ciocca – Gerente de Agropecuária Sustentável – World Animal Protection Brasil
Cristina Mendonça – Diretora Executiva – Mercy For Animals Brasil
Vania de Fátima Plaza Nunes – Diretora Técnica – Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal
Patrycia Sato – Presidente – Alianima
Carolina Galvani – Diretora Executiva – Sinergia Animal
Richard Alves – Presidente- Associação dos Fiscais Agropecuários do Rio Grande do Sul (Afagro)
Janus Pablo – Presidente – Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (ANFFA SINDICAL)
Francisco José Garcia Figueiredo – Coordenador – Núcleo de Justiça Animal da Universidade Federal da Paraíba
Maribel de Souza Amengual- Presidente – Instituto Protecionista SOS Animais e Plantas-João Pessoa/PB
Artur Bueno de Camargo – Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação e Afins (CNTA)
Silvia Calixto – Presidente – Associação dos Municípios da Microrregião do Vale do Paranaíba- AMVAP
Thaís Zschieschang – Gerente de Parcerias – Instituto Akatu
Carlota Aquino – Diretora Executiva – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC)