Carta aberta aos senadores – PL do Autocontrole
Referência: PL N.º 1.293/2021 – PL do Autocontrole
Excelentíssimos Senadores
Mais uma vez, respeitosamente, viemos pedir mais atenção aos riscos envolvidos na aprovação do PL do Autocontrole.
Os potenciais prejuízos para a saúde pública, para o bem-estar dos animais de produção, para os pequenos produtores e para o meio ambiente são inúmeros. Na impossibilidade de enumerar todos eles e nos aprofundar nesta carta, pedimos que esse PL seja mais debatido e que outras organizações da sociedade civil e entidades sejam ouvidas para apresentarem os impactos desse PL para a sociedade, pois isso é fundamental em um projeto dessa magnitude. Adicionalmente, pedimos que o PL do Autocontrole passe pela avaliação de outras comissões do Senado, dentre elas, a Comissão de Meio Ambiente (CMA) e a Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle de Defesa do Consumidor (CTFC).
Todas as organizações abaixo assinadas reforçam que são contra esse PL, que visa retirar do Estado a obrigação Constitucional de fiscalizar e garantir a segurança dos alimentos que consumimos. É válido destacar que os próprios auditores fiscais federais e estaduais, que ora assinam esta carta, quem mais entende de fiscalização, são contra o PL na forma que está redigido. O termo “autocontrole” não representa, de fato, o que o PL 1.293 propõe, que é na verdade, que é a autofiscalização. Afinal, o autocontrole é algo que sempre foi praticado pelas empresas, mas nunca foi suficiente para garantir a segurança alimentar e o bem-estar animal. Esse papel sempre foi assegurado pela fiscalização agropecuária. Por isso, fortalecer a atuação dos fiscais governamentais é fundamental.
Uma fiscalização da iniciativa privada dificilmente funcionaria devido ao conflito de interesses econômicos. Existem denúncias de fiscais governamentais que sofrem graves ameaças, tentativas de suborno e agressões com objetivo de intimidar o cumprimento da ação fiscal, em detrimento da saúde pública, bem-estar animal e sustentabilidade ambiental.1,2 Apesar destas tentativas, os fiscais governamentais, por serem servidores de carreira, conseguem ter as mínimas condições para se manterem isentos e imparciais aos interesses privados. O mesmo pode não ocorrer com os fiscais privados, pois reações à intimidação podem ser transformadas em demissões.
Esses fiscais privados, se forem pressionados pelas empresas, e sem poder de polícia administrativa, inerentes apenas aos servidores de carreira do Estado, poderão ter sua atuação e eficiência limitadas. Este fator, juntamente com as outras propostas do PL do Autocontrole, por consequência poderão gerar:
-Dificuldade de identificar e punir fraudadores em caso de adulteração e contaminação de alimentos, como por exemplo, leite, queijos, mel, azeite, carnes e bebidas em geral.
-O registro automático de produtos, entre eles medicamentos usados em animais produtores de alimentos, representa um enorme risco para saúde pública e para o meio ambiente. Sem a avaliação criteriosa que hoje é feita pelos fiscais governamentais, os resíduos dessas drogas poderão contaminar o meio ambiente, ser ingeridos pelo consumidor e por fim gerar resistência antimicrobiana, o que é visto como um dos problemas mais graves de saúde pública para os próximos anos. Antiparasitários que possuem os mesmos princípios ativos de alguns agrotóxicos, como organofosforados, e vacinas para doenças zoonóticas também estão na lista de produtos com registro automático. Com a atual pandemia, conseguimos ter noção da complexidade da criação e aprovação de vacinas. Então, qual é o interesse de se aprovar automaticamente vacinas para doenças que podem acometer o ser humano? Não se trata apenas de saúde animal, estamos falando de saúde única.
-Contaminação por doenças zoonóticas e intoxicação alimentar também poderão se tornar mais comuns com a aprovação do PL. Entre elas podemos citar: tuberculose, brucelose, agentes causadores de artrites (staphylo e strepto), S. Choleraesuis, Salmonella, Campylobacter, E.coli, Listeria, Toxoplasmose, intoxicações alimentares por staphylococcus, Raiva herbívora (relacionada com deficiência no ante mortem), encefalopatias degenerativas transmissíveis (mal da vaca louca), fasciolose, hidatidose, sarcosporidiose, teníase e febre aftosa. Quem pagará a maior parte da conta dos tratamentos dessas doenças? Com certeza o sistema único de saúde. Lembrando que algumas dessas doenças podem levar o consumidor até mesmo a óbito.
-Atualmente, todos os frigoríficos submetidos à fiscalização federal são obrigados a contar com a presença do fiscal governamental durante o abate, a depender de sua classificação. Isso visa garantir a qualidade e segurança da carne, assim como o bem-estar dos animais abatidos. O PL faculta essa presença. Vários países que importam carne brasileira exigem a presença do fiscal, justamente por entenderem a importância deste profissional para garantir a segurança alimentar e bem-estar dos animais. Devido ao déficit de fiscais no Brasil, com aprovação do PL, a população brasileira irá pagar os salários e os custos da fiscalização governamental para uma carne que será exportada, enquanto os abatedouros que têm o mercado interno como cliente, não terão a mesma fiscalização governamental.
-Os fiscais governamentais também atuam impedindo a entrada de agrotóxicos contrabandeados e a entrada de outros produtos clandestinos em nosso país. Essa função vai além da segurança alimentar, eles também atuam a nível da segurança nacional e proteção econômica. Isso sem mencionar os riscos da utilização de agrotóxicos contrabandeados para o meio ambiente e para a saúde pública. O Instituto Nacional do Câncer (INCA) afirma que a exposição à agrotóxicos por longo prazo pode causar doenças crônicas como o câncer. Além disso, pesquisas desenvolvidas pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) confirmam que diversas doenças estão relacionadas com o consumo de agrotóxicos.
– A fiscalização privada poderá não ter a mesma eficácia da fiscalização externa independente governamental e com isso a multa, criada para coibir a falha e/ou crime, perderia sua efetividade.
-Pequenos produtores e agricultura familiar poderão ser severamente prejudicados por não conseguirem arcar com os custos da fiscalização privada.
Essa lista, que não se pretende exaustiva, apresenta apenas alguns dos problemas relacionados ao PL do Autocontrole.
No Brasil o Código de Defesa do Consumidor (CDC), determina que é competência da União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios fiscalizar e controlar a produção, industrialização, distribuição, a publicidade de produtos e serviços e o mercado de consumo, no interesse da preservação da vida, da saúde, da segurança, da informação e do bem-estar do consumidor, editando as normas que se fizerem necessárias. O artigo 8 do CDC determina que “os produtos colocados no mercado não acarretarão riscos à saúde ou à segurança dos consumidores”, assim como ao inciso I, do artigo 6 garante os direitos básicos do consumidor, tais quais: a proteção da vida, saúde e segurança. Não há como negar que esse PL representa uma grave ameaça aos direitos do consumidor. E de forma mais agravante, pode ser considerado, até mesmo, inconstitucional, pois o Artigo 196 da Carta Magna diz que a saúde é direito de todos e dever do Estado.
O agronegócio, todos os anos, tem alcançado expressivos resultados econômicos. Este não é o setor que precisa de irrestritos incentivos, principalmente se esses incentivos vieram às custas dos elos mais frágeis dessa cadeia, que são os consumidores, os pequenos produtores e os animais.
Excelentíssimos Senadores, apelamos para que os senhores cumpram o papel que lhes cabe na Constituição Federal de proteger os interesses da população brasileira e dos animais.
Animal Equality
ACT Promoção da Saúde
Alianima
Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável
Associação Protetora dos Animais de Videira
Associação dos Fiscais Agropecuários do Rio Grande do Sul (AFAGRO)
Associação dos Municípios da Microrregião do Vale do Paranaíba (AVAP)
Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação e Afins (CNTA)
Abrale – Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia
Abrasta – Associação Brasileira de Talassemia
Comissão de Direito dos Animais – CDA-OAB-MG
Comissão de Direito dos Animais – CDA 28ª Subseção OAB-MG
Direito Animal Brasil – DABRA
ELO ANIMAL NACIONAL DA REDE SUSTENTABILIDADE
Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal
Greenpeace Brasil
Grupo Fauna de Proteção aos Animais – Ponta Grossa – PR
Instituto Akatu
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC)
Instituto Defesa Coletiva
Instituto Protecionista S.O.S. Animais e Plantas
Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN)
Instituto Socioambiental (ISA)
Instituto Conexões Sustentáveis (CONEXSUS)
Instituto Ambiental Ecosul de SC
Associação de Difusão Comunitária TVQV SC
Mercy For Animals
Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Movimento Todos Juntos Contra o Câncer
Núcleo de Justiça Animal da Universidade Federal da Paraíba
Núcleo do Pequi e Outros Frutos do Cerrado
Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (FIAN)
Proteção Animal Mineira
Proteção Animal Mundial (World Animal Protection)
Sinergia Animal
Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais (ANFFA Sindical)
UVB Animal – União dos Vereadores do Brasil
Referências: