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Este pesquisador explica por que quem machuca animais também pode machucar pessoas


Autor de best-seller e tenente-coronel da Polícia Militar Ambiental, Robis Nassaro fala sobre a chamada “Teoria do link” e defende que o governo federal dedique recursos exclusivos para combater a crueldade contra animais

Matéria: Nyle Ferrari

Em Mindhunter, série que desvenda a mente de serial killers, o assassino Edmund Kemper conta a agentes do FBI sobre a maneira cruel que lidava com gatos quando criança, em vingança à sua violenta mãe. A história se repete com o psicopata David Berkowitz (“Filho de Sam”), que descreve com frieza como tirou a vida de um cão. Os crimes desses assassinos ocorreram na década de 1970 e é justamente a partir dessa época que agentes do FBI e pesquisadores mundo afora passam a dar mais atenção para a conexão entre a violência contra animais e a prática de crimes contra pessoas, explica o pesquisador Robis Nassaro.

Nassaro é tenente-coronel da Polícia Militar Ambiental em São Paulo e investiga o tema com profundidade em seu livro Maus-Tratos aos Animais e Violência Contra Pessoas: A Aplicação da Teoria do Link nas Ocorrências da Polícia Militar Paulista (2016). Nassaro trouxe um levantamento inédito sobre a ficha criminal de todas as pessoas autuadas pela Polícia Militar Ambiental do Estado de São Paulo por maus tratos aos animais entre 2010 e 2012. Com a sua pesquisa, ele conseguiu indicar o perfil dos criminosos: 90% homens, a idade média dos autuados é de 43 anos.

“Dos 643 autuados, 204 têm outros registros criminais e praticaram um total de 595 crimes”, explica Nassaro. Ele verificou que 50% desses crimes eram violentos, sendo lesões corporais os delitos mais praticados. “O que é muito preocupante e inclusive confirma as pesquisas realizadas nos Estados Unidos de um perfil violento daquele que pratica crueldade animal”, diz o tenente.

Além do levantamento inédito a partir das ocorrências, Robis Nassaro aborda em seu livro a chamada “Teoria do Link”, que até hoje auxilia a compreensão do comportamento de pessoas que praticam atos violentos contra os animais. A teoria propõe que há uma conexão entre a crueldade animal, a violência doméstica e o abuso infantil. Todos esses comportamentos seriam decorrentes de um ciclo de violência que se transmite em um ambiente familiar destroçado, de pais para os filhos em um ciclo contínuo.

Proposta em 1997, a tese vem dos psicólogos Phil Arkow e Frank Ascione, com base em diversas descobertas que vinham sendo feitas sobre o tema. Uma das principais referências para Arkow e Ascione além do FBI foi o pesquisador americano Fernando Tapia, professor da Faculdade de Medicina do Missouri, que já estudava o assunto desde 1971. “Tapia, pioneiramente, descreveu que animais maltratados em um ambiente familiar deve ser um sinal de alerta de um lar desagregado e caótico, com indicação de existir violência física e psicológica contra pessoas e animais”, resume Nassaro.

Na entrevista a seguir, o autor e tenente-coronel fala sobre os impactos das descobertas do seu livro, a relação entre violência animal e violência doméstica e também explica quais medidas devem ser tomadas para coibir conjuntamente crimes contra pessoas e contra animais.

Como surgiu a ideia de fazer o livro?

Sou, como a maioria dos queridos leitores, defensor de direitos aos animais. Tenho origem religiosa católica, espelhada em São Francisco de Assis, inclusive nasci em Assis, interior de São Paulo, o que me garante sempre uma grande inspiração. Eu queria criar, ainda na década de 90, patrulhas de policiais militares ambientais especializados em atendimento de ocorrências de maus-tratos aos animais, mas precisaria antes comprovar cientificamente que esse assunto era importante e de interesse da Segurança Pública.

Então, pesquisei por anos o assunto, resultando na defesa da dissertação de mestrado e na publicação do livro. A partir daí, todas as justificativas para priorizar o assunto como política de Estado estão dadas com base nas bases teóricas e na pesquisa realizada nas ocorrências paulistas.

De onde veio esse interesse pelos animais? O senhor é vegano?

A identificação com os animais se iniciou muito cedo na minha vida, especialmente a partir do momento em que entrei no Grupo de Escoteiros de Assis, com 08 anos de idade (tenho 47); de lá para cá esse é o tema que mais estudo. Não sou vegano, mas confesso que o consumo de produtos de origem animal é cada vez mais difícil para mim. Sou uma pessoa de bem, cumpridora das leis e que respeita a vida, em todas as suas formas.

Em seu livro, chama atenção o destaque dado à conexão entre violência contra a mulher e violência contra os animais no âmbito doméstico. Pode falar um pouco mais sobre isso?

Há uma conexão direta da crueldade animal com violência doméstica. Um veterinário quando vê uma “cadela estuprada” deve denunciar às autoridades porque esse estuprador pode já estar abusando de uma criança ou uma mulher em casa. Um policial, quando apura crueldade animal deve entrevistar todas as pessoas da casa, porque pode haver outras vítimas, além do animal. É necessário haver ações afirmativas de todos que tenham responsabilidade sobre o tema, a fim de que as informações se conectem e o ciclo de violência estudado, Teoria do Link, seja quebrado.

Interessante a pesquisa brasileira da psicóloga Maria Padilha (2011), de Pernambuco, que foi até as delegacias da mulher e entrevistou 453 vítimas de violência doméstica. 50% delas disse que seus parceiros ameaçaram, lesionaram ou mataram seus animais de estimação e que em 88% das famílias em que houve crueldade também houve abuso infantil corroborando o link e os achados norte-americanos. Esse foi um olhar da Maria Padilha para as vítimas da violência, que relataram elas mesmas a violência sofrida contra si e seus animais de estimação.

A maioria dos estupros e violência doméstica ocorrem em ambiente familiar, dentro de casa, e os órgãos policiais só têm acesso a esses crimes se existir denúncia da vítima ou de alguém que saiba da situação.

Por isso, condutas alertas (bandeira vermelha ou sentinela), como crueldade animal, devem chamar a atenção de todos, exatamente porque há indicações científicas de que os animais podem ser uma das vítimas e especialmente crianças e mulheres as outras.

Quais foram os impactos que suas descobertas promoveram até aqui?

A publicação do meu livro, como pioneiro em estudar e analisar as bases teóricas da Teoria do Link e aplicá-la cientificamente no Brasil, avaliando as fichas criminais dos infratores autuados por maus-tratos aos animais, vai apoiando, cada vez mais, o respeito aos animais e a necessidade de quebrar o ciclo de violência.

E mais, eu proponho um olhar, até então desconhecido que é o da segurança pública e não apenas de bem-estarista. Ou seja, o respeito aos animais e o combate à crueldade animal não deve existir somente por ser crime, mas também porque ao atuar contra a crueldade animal e punir os criminosos, está se prevenindo futuros crimes (prevenção primária), de lesões corporais, estupros, homicídios e da própria crueldade animal.

A maior difusão, complexidade do tema, em especial a comprovação científica dos maiores níveis de agressividade presentes naqueles que cometem crueldade animal contribuem também com a discussão que ocorre neste momento na Câmara dos Deputados em relação à ampliação da pena ao infrator que comete esses crimes. O Projeto de Lei nº 1.095/19, de autoria do Deputado Federal Fredi Costa (Patri – MG) propõe ampliar a pena dos atuais 3 meses a 1 ano de detenção, para 1 a 4 anos de reclusão, iniciando o cumprimento da pena em regime fechado. De fato, essa medida deve ser apoiada, sendo essencial para quebrar o ciclo de violência porque, atualmente, o autor da crueldade animal, em regra, paga cestas básicas para casas de caridade ou algumas poucas horas em serviços assistenciais.

Não se tem notícia de composições judiciais no procedimento dos crimes de menor potencial ofensivo (caso da crueldade animal) que determinem avaliação psicológica do criminoso e de todos em sua família, a fim de detectar outras vítimas reais ou potenciais e quebrar o ciclo de violência. Propus essa medida ao Ministério Público de Minas Gerais, ao escrever, a convite do próprio PM, na revista MPMG Jurídico – Aspectos Controversos dos Crimes Contra a Fauna.

Por isso, penas mais rigorosas tenderão a ampliar a resposta da sociedade ao criminoso e tenderão a quebrar o ciclo de violência.

Ainda, sobre o que mudou após a publicação do livro, merece um especial destaque a quantidade de alunos de graduação, das áreas do Direito e da Veterinária, que me procuram pedindo orientação em seus trabalhos de conclusão de curso desenvolvido sobre o Link. São ainda muito jovens e estão absolutamente interessados pelo tema o que indica mudança, pesquisa e amadurecimento da sociedade em defesa dos direitos aos animais.

Como o senhor avalia a atuação da Polícia Militar Ambiental? Quais são os principais desafios?

Atuei por mais de duas décadas na Polícia Militar Ambiental e contribui para o desenvolvimento da percepção de responsabilidade dessa importante área da Polícia Militar no atendimento de crimes de crueldade animal. Como a ocorrência é complexa, procurei selecionar e realizar treinamento aos Policiais Militares que tinham afinidade com o tema gerando doutrina e atendimentos competentes.

Certamente, a Polícia Militar Ambiental paulista é uma das mais comprometidas e especializadas no atendimento dessas ocorrências. Mas se posso me orgulhar de alguma ação concreta nessa área, além de realizar estudos científicos e treinamentos, foi o desenvolvimento do protocolo de atendimento de ocorrências de maus-tratos aos animais em conjunto com Laboratório de Bem-Estar Animal da Universidade Federal do Paraná.

Ele é pioneiro no Brasil e garante ao Policial uma espécie de tabela, com escores, que preenchida corretamente poderá dar percepção mínima de estar o animal maltratado ou não, sendo esse protocolo chancelado pela Universidade o que, inclusive, está devidamente descrito na tese de doutorado da Médica Veterinária, Prof. Dra. Janaína Hammerschmidt, orientada pela Prof. Dra. Carla Molento.

Como não há veterinários para atestar ou não os maus-tratos em todas as ocorrências, esse protocolo contribui muito com o atendimento policial, permitindo que o veterinário seja acionado apenas nos casos em que há indicação baseada no protocolo, o que faz toda a diferença. Sonho em ver esse protocolo sendo utilizado por Policiais e Guardas Municipais no atendimento de ocorrências de maus-tratos no Brasil inteiro.

O que hoje não é feito a respeito dos maus-tratos aos animais e precisa ser mudado? Ou seja, medidas que devem ser tomadas por parte do governo municipal, estadual e até federal.

Aqui vai uma percepção pessoal e certamente uma crítica construtiva. Temos repartição de competências muito complexa prevista na Constituição Federal, garantindo-se aos órgãos em geral que possam atuar na crueldade animal (crime, infração administrativa, por vezes zoonose, prevenção, etc), entretanto, essa mesma regra de competência permite também omissão desses órgãos que acabam atribuindo ao outro o que deveria ser o empenho de todos, exigindo-se, na prática, que ONGs tenham que atuar em ações de estado.

Por isso, a melhor decisão no nível mais amplo sobre o tema, seria definir, inicialmente, no âmbito federal (lei federal), de quem é a responsabilidade sobre a crueldade animal, nos seus mais diversos aspectos, garantindo-se recursos públicos exclusivos para esse fim.

Não se pode imaginar que tais ações sejam de um governo ou outro, com maior ou menor prioridade. Esse assunto é muito sério, daí porque deve ser atendido como prioridade de Estado, com orçamento e rubricas (para recursos financeiros) próprios, independentemente de governo.

Essa definição tenderá a gerar centralização de temas, denúncias, dados estatísticos, padrões de procedimentos e criação de modelos para os casos de crueldade animal. Com o tempo e ação rigorosa de Estado haverá redução da crueldade animal e, também, de outros crimes violentos contra pessoas e animais. Acredito fortemente nisso.

O senhor se mantém na Polícia Militar ou está se dedicando exclusivamente à pesquisa?

Na verdade, de lá para cá fui promovido a Major e a Tenente Coronel. Então, hoje sou um Tenente Coronel da ativa da Polícia Militar e comando o 22º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano, região da zona sul de São Paulo, respondendo, junto com meu comando e minha equipe, pela segurança pública de aproximadamente 700 mil habitantes.

Minha vida mudou muito depois do lançamento do livro porque a partir dele fui levado a iniciar um ciclo de palestras e atendimento contínuo (já há muitos anos) a muitos interessados em escrever e atuar na causa animal, desde pessoas físicas, políticos, órgãos governamentais, ONG e, também, as OAB no Brasil inteiro.


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