Inconstitucionalidade: acionamos o STF contra a Lei do Autocontrole
Desde de junho de 2022 a Animal Equality esteve na linha de frente contra o então Projeto de Lei do Autocontrole. Juntamente com outras 37 organizações de proteção animal, ambiental, de saúde pública, de direito do consumidor e direito dos trabalhares, várias ações foram realizadas para conscientizar a população e os Senadores sobre os riscos de aprovação de um projeto de lei desta natureza. Mesmo após esse esforço em coalizão, em dezembro de 2022 o projeto foi aprovado e agora é lei.
Então, a nova estratégia é impedir a aplicação dessa nova lei. Com o Apoio da Animal Equality, do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (ANFFA Sindical) e de várias outras entidades, a Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação e Afins (CNTA e Afins) ingressou na semana passada com uma ADIN – Ação Direta de Inconstitucionalidade – contra a Lei do Autocontrole. O documento enviado ao Supremo Tribunal Federal pede a suspensão da lei em caráter liminar (imediato) até o julgamento da ADIN.
A Lei do Autocontrole é inconstitucional porque incrementa os riscos à saúde humana e ao bem-estar dos animais. Possibilita a renúncia do Estado ao poder e dever de fiscalização. É a raposa tomando conta do galinheiro. Além disso, as equipes de autofiscalização que serão criadas vão representar instâncias de pura coação dos trabalhadores, obrigados a darem aval sob pena de perderem o emprego.
Artur Bueno de Camargo – Presidente da CNTA e Afins
Assista a nossa live onde juntamente com a CNTA e ANFFA explicamos em detalhes o que significa essa Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Histórico do movimento contra a Lei do Autocontrole
A Animal Equality lançou no dia 28 de junho uma investigação realizada em três abatedouros, mostrando o que acontece nesses locais quando os fiscais agropecuários governamentais não estão presentes. Um relatório da organização apontou as situações, que foram registradas através de filmagens nos abatedouros, que provam que esses abatedouros estavam infringindo inúmeros artigos da Portaria 365 de 2021. Isso deixou clara a importância da presença dos fiscais governamentais para o cumprimentos de normas sanitárias e de bem-estar animal.
As organizações atuantes contra o PL, enviaram no dia 20 de junho uma primeira carta aberta aos Senadores e Deputados Federais alertando para os riscos da aprovação do PL do Autocontrole. Em 06 de julho, uma nova carta foi enviada e no dia 23 de agosto, a terceira carta assinada pelas organizações foi enviada.
No dia 15 de setembro foi realizada uma Audiência Pública na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), que foi organizada com o apoio do Deputado Estadual Carlos Giannazi (PSOL) e contou com presença na tribuna de representantes do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (ANFFA Sindical), da Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação (CNTA), da Mercy for Animals, da ACT Promoção da Saúde/Todos Juntos contra o Câncer e do Instituto de Defesa dos Consumidores (IDEC).
No dia 03 de novembro, a Animal Equality enviou uma Nota Técnica sobre o PL do Autocontrole a Gleisi Hoffmann, presidente do PT, por intermédio da Coordenação do Setorial de Proteção e Defesa dos Direitos dos Animais do Partido, que organizou um encontro em março de 2022 com o então candidato Lula e dezenas de ativistas da causa animal.
Em 12 de dezembro, representantes da Animal Equality, da ANFFA Sindical, da World Animal Protection, do Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), do Ministério Público do Trabalho, da Universidade Federal do Paraná e da indústria de alimentos e bebidas participaram de uma Sessão Temática no Senado.
Na semana seguinte, no dia 20/12 o PL passou por votação plenária e foi aprovado e agora segue para sanção presidencial.
Principais argumentos do Movimento Contra a Lei do Autocontrole
Um dos principais artigos criticados pelo movimento contra o PL é o artigo 5º, que trata do credenciamento de pessoas jurídicas ou habilitação de pessoas físicas para a prestação de serviços técnicos ou operacionais relacionados às atividades de defesa agropecuária. Este artigo permite a privatização da atividade de defesa agropecuária, que é considerada estratégica para o país, de acordo com a Constituição Federal do Brasil.
As organizações pedem a inclusão de uma emenda que deixe claro que somente poderá ser admitida a atuação privada em atividades técnicas, instrumentais, de mera verificação, com base nas quais apenas o poder público emitirá a declaração de conformidade ou aplicará alguma sanção, em caso de não conformidade. As pessoas físicas ou jurídicas credenciadas, assim, jamais poderão vir a exercer ações que envolvam atividades de autoridades da Defesa Agropecuária. Dessa forma, a presente emenda visa assegurar essa delimitação, e, ainda, explicitar o impedimento de quaisquer atividades inerentes ao poder público, o que caracterizaria indevida invasão dessa competência.
Aprovar o PL da forma que vem sido defendido por representantes da Frente Pela Agropecuária (FPA) abre margem para que o setor privado tenha o poder de se autofiscalizar, dificultando a identificação e punição de fraudadores em caso de adulteração e contaminação de produtos como leite, queijos, mel, azeite, carnes e bebidas em geral. O programa de “autocontrole “ defendido pelo MAPA apresenta riscos de conflito de interesses na fiscalização privada, que será contratada e paga pelo dono do estabelecimento a ser fiscalizado, e portanto, os interesses financeiros da empresa podem se sobrepor a segurança alimentar e bem-estar dos animais abatidos para consumo.
Outro ponto bastante discutido é a diferença entre o padrão de fiscalização para produtos destinados ao consumo nacional e os produtos exportados. Se o PL for aprovado, a fiscalização de produtos de origem animal destinados à exportação continuará sendo efetuada pelos fiscais governamentais, pois esta é uma exigência comercial dos países importadores do Brasil, justamente por ser considerada mais idônea. Já o mercado interno não haverá mais garantia da fiscalização governamental obrigatória dentro das fábricas e dos abatedouros, o que coloca o bem-estar dos animais e a saúde pública em risco.
Com relação ao tratamento desigual entre o consumo nacional e os produtos exportados, é importante destacar que dados do setor produtivo, divulgados pela Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC), somente em 2021, do total de 27,54 milhões de toneladas de abates de bovinos realizados no Brasil, somente 1,85 milhão de toneladas foi exportado, o que demonstra os riscos oferecidos ao consumo interno, sem a devida fiscalização dos auditores agropecuários, de uma quantidade enorme comercializada no país.
Além disso, o PL do Autocontrole propõe valores das multas para as empresas infratoras, cujo valor máximo será de R$ 150.000,00, o que na opinião das organizações participantes do Movimento Contra o PL do Autocontrole incentiva o descumprimento das normas de defesa agropecuária. É o que indicam dados do Tribunal de Contas da União (TCU), de 2017. Eles revelam que cerca de 73,25% das empresas registradas no Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal do Ministério da Agricultura (Dipoa/Mapa) são de médio ou grande porte, assim possuem Receita Operacional Bruta (ROB) anual acima de R$ 4,8 milhões. Dessa forma, a multa máxima de R $150.000,00, a ser aplicada em casos excepcionalíssimos, representa 3,2% da ROB anual dessas empresas, ou seja, um valor absolutamente irrisório nesse universo.
Em decorrência dos itens acima, o que especialistas e os próprios fiscais agropecuários afirmam, é que na prática a fiscalização no Brasil poderá enfrentar os seguintes problemas e desafios:
– Os fiscais privados, se pressionados pelas empresas, poderiam ter sua atuação e eficiência limitadas, uma vez que não têm estabilidade e autoridade equivalentes às dos fiscais públicos para fazer frente às empresas;
– Os potenciais conflitos de interesse econômico relacionados à contratação do fiscal pela própria empresa. O que, por consequência, dificultaria a identificação e a punição dos responsáveis por fraudes, como já ocorreu em casos de adulteração e contaminação de alimentos (ex.: leite, queijos, mel, azeite, carnes e bebidas em geral);
– Maior risco de incidência de contaminação por doenças zoonóticas e intoxicação alimentar, entre elas: tuberculose, brucelose, agentes causadores de artrites, Salmonella, Campylobacter, E. coli, Listeria, Toxoplasmose, raiva herbívora, teníase, febre aftosa e o “mal da vaca louca”;
– Os animais criados para consumo poderiam ficar mais suscetíveis ao desrespeito dos padrões de bem-estar mínimos e a verificação sobre as normas de abate humanitário seria dificultada;
– Os produtos como vacinas, antibióticos, antiparasitários, entre outros, não passariam por rigorosa avaliação e aprovação dos fiscais governamentais e teriam seus registros aprovados de forma automática. Isso significa que a qualidade e os riscos de utilização desses produtos não seriam previamente avaliados pelas autoridades governamentais e os alimentos poderiam conter resíduos dessas substâncias, uma vez que esses produtos são usados em animais criados para consumo.
– Possível agravamento do problema da resistência antimicrobiana;
– Maior risco de fraude e contrabando internacional de agrotóxicos e outros produtos, colocando em risco a saúde da população e a preservação ambiental.