A indústria acha desproporcional uma lei que protege os animais. Veja nossa resposta.
Em resposta ao posicionamento da ABPA, publicado na Revista Globo Rural, no dia 11 de dezembro de 2023, a Deputada Professora Luciene Cavalcante e representantes das organizações da sociedade civil Animal Equality, Fórum Nacional de Proteção de Defesa Animal e Proteção Animal Mundial, elaboraram o seguinte posicionamento para cada argumento elaborado pela entidade
- A entidade de classe afirma que a proposta é desproporcional ao prever sanções e fechamento de empresas, além de interferir em assuntos técnicos, que são de competência do Ministério da Agricultura: O Projeto de Lei 5092/2023 prevê penalidades apenas para os produtores que não se adequarem no prazo e permite aos que se adequarem dentro do prazo o recebimento de subsídios públicos para investirem na transição.
A Constituição Federal é a carta magna do Estado Brasileiro e ela reconhece que o Estado e a Sociedade tem o dever de proteger os animais da crueldade (artigo 225, §1, item VII). Todos os Ministérios devem cumprir o disposto na Constituição Federal, incluindo o Ministério da Agricultura e Pecuária. A Lei 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais) prevê inclusive prisão para quem submete os animais a práticas cruéis. A ausência de aplicação da Lei de Crimes Ambientais apenas ocorre porque o MAPA tem como maior interesse aumentar a produção e as exportações de alimentos de origem animal do que proteger os animais criados para alimentação de práticas consideradas cruéis por cientistas e especialistas em bem-estar animal. Além disso, o MAPA, como órgão do Poder Executivo de competência técnica, será envolvido para definir os parâmetros técnicos do que a lei determina. O PL 5092/2023 não versa sobre normas técnicas e sim propõe uma solução para uma questão moral que é como esses animais são tratados dentro das fazendas e granjas industriais.
A entidade alega que o PL 5092/2023 é desproporcional em relação às multas, mas desproporcional é o número de animais que são confinados por longos meses e até mesmo anos no país – muitos nem conhecem a liberdade de se locomover por poucos passos. Apenas citando a cadeia representada pela entidade, no Brasil, de acordo com dados da própria ABPA, existem cerca de 114 milhões de galinhas poedeiras e mais de 2 milhões de matrizes suínas. Isso sem considerar os bovinos e outras espécies que são criadas em situação de extremo confinamento. Não existem estimativas oficiais, mas aponta-se que 95% das galinhas e quase metade das porcas gestantes estejam confinadas em gaiolas. É válido destacar que muitas empresas e multinacionais de grande porte se comprometeram a banir as gaiolas e a melhorar o bem-estar animal após diálogos e negociações com organizações de proteção animal.
- A ABPA recomenda que o projeto seja rejeitado ou arquivado por interferir na ordem econômica sem uma avaliação prévia dos impactos. A associação defende que o Estado deve evitar “sobressaltos normais e regulatórios” que possam “causar mais prejuízos que benefícios”: Organizações da sociedade civil organizada têm o dever de atuar junto ao Estado Brasileiro para que a Constituição Federal e as leis sejam cumpridas. Para isso, cada ente ou órgão possui um papel e os Deputados Federais têm o papel de fiscalizar as atividades do Executivo, mas também de buscar soluções na forma de projetos de lei para que o que está disposto em nossa Constituição seja cumprido. Eles também devem buscar instrumentos para a evolução ética e moral da sociedade, garantindo que todos sejam respeitados e protegidos da crueldade. A análise de impacto financeiro de um projeto de lei no Congresso Nacional cabe apenas às Comissões de Finanças e Tributação, na Câmara dos Deputados, e de Finanças e Tributação, no Senado. Cabe, entretanto, ressaltar que a atividade pecuária no Brasil é altamente subsidiada. Somente de junho de 2022 a junho de 2023, o Plano Safra disponibilizou R$ 340,88 bilhões em financiamentos para apoiar a produção agropecuária no país, um aumento de 36% em relação ao ano anterior. O mínimo que se espera de uma atividade econômica fortemente subsidiada pelo governo, e portanto, com recursos dos impostos pagos pelos brasileiros, é que cumpra todas as leis, incluindo a Constituição.
- A associação diz que o projeto atende a reivindicações de organizações não governamentais que atuam na defesa dos animais, visando repercutir no Brasil os compromissos assumidos pela União Europeia e ainda não implementados integralmente pelo bloco econômico: A União Europeia, por meio da Council Directive 99/74/EC, proibiu o uso das gaiolas de bateria na indústria de ovos – tipo utilizado no Brasil – desde 1999 e caminha para banir todas as gaiolas. Porém, independente dos compromissos alcançados em outros países, os consumidores brasileiros rejeitam práticas de criação que expõem os animais à crueldade.
De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha, quase nove em cada dez entrevistados responderam que se importam em maior ou menor grau com o sofrimento de animais de fazendas. Esta pesquisa identificou que 84% dos entrevistados trocariam de supermercado se soubessem que o estabelecimento compra produtos de fazendas em que o animal é submetido a sofrimento. Além disso, contrariando o que rotineiramente é argumentado pela cadeia produtiva, as classes mais baixas (D e E) e que consomem muito ovo, se preocupam mais com o bem-estar dos animais do que as classes mais altas. Nas classes D e E, 68% responderam se importar muito com o sofrimento dos animais, na classe C foram 64% e nas classes A e B foram 59%.
Outro estudo, também realizado no Brasil, revelou que 84,6% dos entrevistados acreditam que melhorias de bem-estar ainda são necessárias e quase metade afirma que os produtores são considerados os maiores responsáveis em proporcionar bem-estar para os animais de produção. A maioria dos respondentes afirmou que a política de agricultura do Brasil revela pouco interesse pelo tema bem-estar (82,3%) e que os animais de nosso país apresentam baixo grau de bem-estar quando comparados com os de outros países (48,0%).
- “Na justificativa do PL foram apresentados vários motivos altruísticos, mas nenhum estudo técnico que fundamente o prazo estabelecido para eliminação do uso de gaiolas ou a adequação do modelo de sanções proposto no PL”, reforça a ABPA:
- Note-se que o posicionamento da entidade em nenhum momento questiona se as gaiolas são ou não cruéis para os animais, questiona apenas se existem estudos que fundamentam o prazo estabelecido para a eliminação do uso de gaiolas. Se as gaiolas configuram crueldade aos animais, o que a Ciência já consegue provar, deve ser feito no menor tempo possível.
Existem diversos estudos demonstrando os males que o confinamento extremo inflingem aos animais. A organização Animal Equality realizou duas investigações que demonstraram o impacto do confinamento em galinhas e em porcas. Também existe o estudo dos pesquisados do Welfare Footprint Project, que avaliou o impacto das gaiolas em galinhas poedeiras, e concluiu que a migração para o sistema livre de gaiolas – que é bem mais simples de ser implantado do que sistemas orgânicos e ou caipiras, mais ainda permitem níveis ainda maiores de bem-estar – pode diminuir muitas horas de dor física e mental, como mostrado abaixo:
- 275 horas de dor incapacitante (que pode ser comparada com a dor física de queimadura de terceiro grau em humanos e o sofrimento mental de pessoas com depressão que cometem suicídio)
- 2.313 horas de dor no nível que gera prejuízos a algumas atividades
- 4.645 horas de dor incômoda (onde a dor não impede de executar certas atividades)
Entretanto, não precisamos de estudos similares realizados em outras espécies para avaliar o que todos os seres humanos são capazes de compreender: a limitação severa de movimentos é cruel porque promove intenso sofrimento psicológico a todos os seres capazes de sentir dor.
- A associação diz que o Ministério da Agricultura já vem trabalhando para eliminar o uso de gaiolas na criação de aves e diversas empresas nacionais têm implantado programas de bem-estar animal e investido neste que é “um dos vários da crescente pauta de sustentabilidade”: De fato, o MAPA publicou a Instrução Normativa 113 de 16 de dezembro de 2020 com vistas a assegurar boas práticas de manejo de suínos e estabelece um prazo para que as gaiolas de gestação sejam substituídas por baias de gestação coletiva, que permitem maior liberdade de movimento desses animais. Porém, o prazo para esta substituição é de 2045, um prazo muito longo para que os animais permaneçam sendo submetidos às gaiolas de gestação. Não há, até o momento, nenhuma outra norma prevendo a transição para modelos de produção cage-free na avicultura de postura, onde 95% dos animais vivem em confinamento extremo por cerca de ⅔ de sua vida. Além disso, o MAPA, por meio do Plano ABC+, visa alcançar metas de promoção da pecuária sustentável por meio de “tecnologias” que prevêem o aumento do confinamento de bovinos, o que poderá no futuro tornar o confinamento uma prática padrão, implicando em um retrocesso das condições que as espécies criadas para corte possuem atualmente.
O prazo para a transição desejada pelo PL envolve investimentos, alterações operacionais, manutenção da produtividade e afeta o preço dos produtos, que se mal medido resulta em inflação dos alimentos”, alerta a ABPA: O PL 5092/2023 permite que parte dos subsídios que já são concedidos ao setor sejam investidos a fundo perdido para os produtores que realizarem a transição no prazo, o que pode ser revisto durante o processo legislativo.
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